Coluna publicada no Diário Serrano (Jornal Cruzaltense), no dia 04/05 de abril de 2020.
Dando uma pausa na moda vou escrever sobre sonhos, utopias, esperança e vida real.
Vou começar por uma citação da Exma Desembargadora Beatriz Renk, quando assumiu a presidência da Corte Trabalhista em 2015.
“Não desistir do direito ao delírio, ao sonho, a utopia. Pois, afinal, para que serve a utopia? Como cita nosso querido Eduardo Galeano, a utopia está no horizonte.
Eu sei muito bem que não a alcançarei, se eu caminho dez passos, ela se afasta dez passos. Quanto mais eu a buscar, menos eu a encontrarei, porque ela vai se afastando a medida que eu me aproximo, pois a utopia serve para isso, fazer-nos caminhar, então, juntos, em direção a este horizonte de construção de uma sociedade mais justa, mais fraterna, mais solidária e mais humana, na qual todos os homens e mulheres, independentemente da raça, cor, crença ou classe social, passam a viver com dignidade, igualdade, amor e respeito.”
Eis que encontro nos meus registros a história: às 10h, horário de intervalo, em uma escola de periferia, a professora Margarida, da disciplina de Matemática, sai da sala de aula, cheia de livros, já cansada, os alunos não são fáceis. Muitos passam a noite na rua e chegam cedo para a aula, com fome, frio e precisando de banho. Já no corredor, uma frase ecoa: “Eu quero ser professor de Matemática.” Frase dita com firmeza, cheia de sonhos, de vontade de ser realmente um professor. A voz era inconfundível.
A professora sorriu, sem olhar para ver quem era. Já sabia. Ele era um aluno nota dez em matemática. Quando a professora corrigia o caderno de Marcelo era um sorriso de lá e outro de cá, a felicidade no rosto do aluno e da professora tinham uma única origem: todos os exercícios realizados estavam certos. Parece pouco, mas não é. Marcelo vinha de uma família de sete irmãos, pai desconhecidos. A mãe trabalhava como faxineira. Uma das paredes de seu quarto era de chita, as janelas da casa, bem pequena, eram de tábua, não deixando a luz entrar, quando fechadas. O brilho vinha dos moradores da casa.
O sorriso do aluno era impressionante. A noite cuidava de carros, duas vezes por semana, em frente a uma boate, no centro da cidade. No ano seguinte Marcelo não apareceu na escola. A professora Margarida e alguns colegas foram atrás de Marcelo. Ele já não era o mesmo. Durante o dia era visto no centro, em frente a mercados “cuidando carros”. O mais triste foi que o aluno brilhante envolveu-se com drogas. E a droga venceu a matemática.
Os anos foram passando e eis que na tela da televisão surge um rosto conhecido. Era Marcelo, com seu sorriso largo, falando de seu trabalho, influenciando pessoas a terem atitudes positivas em prol do planeta. Protagonizando um momento, ele falava sobre uma cooperativa de reciclagem de lixo, projeto em parceria com a Universidade de Cruz Alta, denominado Projeto Profissão Catador. Ele, o aluno Marcelo, não tornou-se um professor de matemática, mas, com certeza, bom de cálculo que era, encontrou um caminho, que o levou a viver com dignidade.
Graças a Deus, o sorriso, a vivacidade e os cálculos continuam em sua bagagem de vida. Uma história real, onde o ser humano venceu, a essência do bem a serviço de todos.
FABIANE PAIXAO CORTOPASSI
novembro 7, 2020Muito linda a mensagem do teu texto. Parabéns. Que inspire outros.
Beti Pietro
janeiro 1, 2021Que bom poder passar uma mensagem que possa contribuir para melhorar um momento de alguém! Bjo